100 dias para a Copa do Mundo: segurança, preços e preconceito entre as preocupações da Rússia

O espetáculo em campo quase certamente ocorrerá com discussões de pano de fundo sobre o VAR (árbitro assistente de vídeo), cuja adoção para a Copa do Mundo foi aprovada pela IFAB no sábado. A tecnologia gerou críticas tanto de torcedores quanto da mídia na Inglaterra, onde o treinador do Tottenham, Mauricio Pochettino, esteve entre os que protestaram contra os atrasos “desagradáveis” causados durante a vitória dos Spurs contra Rochdale na Copa da Inglaterra em fevereiro.

Pausas prolongadas durante o jogo, combinadas com uma falta de comunicação transparente aos torcedores sobre a natureza das decisões tomadas, foram as maiores queixas - e houve a sensação de que alguns árbitros usaram a tecnologia com mais frequência do que simplesmente para resolver erros “claros e óbvios”, que é o principal objetivo do VAR.

O VAR também foi testado em outros lugares - a Bundesliga e a Serie A são dois exemplos - com uma oscilação de momentos bons e ruins. Sua implementação na Copa das Confederações de 2017 também trouxe resultados variados. De modo compreensível, existe uma preocupação evidente sobre seu uso na Rússia. Sobretudo porque a Copa do Mundo, mais do que nunca, enfrenta a batalha de ser popular e relevante: a supremacia do futebol de clubes é absoluta nos dias de hoje e a decisão, tomada em 2010, de realizar as próximas duas edições do campeonato na Rússia e no Catar não contribuiu com o aumento da acessibilidade ao esporte.

O melhor futebol mundial não é a Copa do Mundo - são competições como a Champions League. É por esse motivo que a fratura do metatarso do Neymar, que o deixará longe dos campos por no mínimo dois meses, será uma grande trama: contribuindo com o fato de que qualquer elemento de confusão e atraso nos procedimentos fará com que as pessoas desviem a atenção dos jogos na Rússia.


Brigas como a entre torcedores ingleses e russos na Euro 2016 aumentam as preocupações sobre a segurança Getty
Existe ainda a questão mais prática e preocupante da participação dos torcedores em campo. A FIFA anunciou com bastante entusiasmo os números favoráveis da procura por ingressos, com pedidos totalizando 8,4 milhões no mundo inteiro até o final de janeiro. Ainda assim, apenas 57.957 originaram-se da Inglaterra, normalmente um dos países com mais torcedores em um campeonato, sugerindo que, apesar de a Rússia ser mais acessível neste versão do que em qualquer outro momento na história, será difícil mudar a percepção de que não é exatamente um destino atrativo para fãs de futebol.

Em contrapartida, existem números mais animadores: os EUA e Holanda, nenhum dos dois qualificados para o campeonato, foram responsáveis por 87.052 e 71.096 pedidos, respectivamente.

A briga entre os torcedores do Spartak Moscow e do Athletic Bilbao na cidade espanhola antes da partida em 22 de fevereiro era a última coisa que os organizadores precisavam. Um policial morreu tragicamente de ataque cardíaco após um sinalizador ser jogado em sua direção durante o conflito. Não há indícios de que os fãs do Spartak foram responsáveis pela morte do policial, mas, após uma série de confrontos da Champions League entre russos e ingleses sem incidentes graves, o acontecimento foi um retorno indesejado às manchetes geradas pela Rússia na Eurocopa 2016 na França.

Os fantasmas de Marselha, e a violência terrível na briga entre Inglaterra e Rússia, ainda persistem, dando lugar ao medo que nunca desapareceu totalmente. De fato, a Rússia tem reprimido consideravelmente o vandalismo dentro do próprio país e a expectativa da situação de risco em torno dos estádios parece remota (a FIFA não respondeu a nossos diversos pedidos por comentários.)

Um torcedor extremista, fã do time com sede em Samara, Krylia Sovetov, e que tem contato com alguns dos torcedores que participaram da violência em Marselha, disse ao ESPN FC que a intenção dos encrenqueiros da briga passada é não chamar atenção.

“O campeonato acontecerá sem grandes excessos”, disse o torcedor, que falou sob a condição de anonimato. “Muitos dos nossos torcedores extremistas estão banidos, inclusive eu. Mas vocês verão como a nossa polícia e forças especiais funcionam. Eles reagem muito melhor e mais rápido do que em Bilbao ou Marselha.”

Outro extremista, torcedor do Zenit St Petersburg, reforçou a ideia.

O que sustentou o sentimento entre um grupo de torcedores extremistas que encontrei em um bar em Samara no último mês de julho durante as Copas das Confederações. A mensagem foi conciliatória: vamos acolher e beber cerveja com qualquer um que queira nos visitar, desde que ninguém aja com violência contra a gente. Não foi bem um compromisso de paz incondicional, mas pelo menos existe um reconhecimento de que a temida operação de segurança da Rússia - liderada pelo FSB, sucessor efetivo do KGB - não fará concessões.

O campeonato nacional atual viu a polícia agir com força contra os torcedores em diversas ocasiões, notavelmente durante um clássico entre Zenit St Petersburg e Spartak Moscow em agosto. Mas as chances dos arruaceiros chegarem perto de um estádio neste verão são pequenas: todos os torcedores, nacionais ou estrangeiros, devem solicitar uma “Identidade do Torcedor” para os quais são feitas verificações rigorosas de antecedentes, ajudando também a anular o risco de cambistas.

Vladimir Putin, o presidente da Rússia, assinou uma lei no mês passado aprovando multas exorbitantes para quem for pego vendendo ilegalmente ingressos para a Copa do Mundo. Putin se manteve tranquilo com relação ao próximo verão e não há dúvidas sobre a natureza das suas prioridades. “Precisamos preservar a Copa do Mundo 2018 no nível mais alto e, em primeiro lugar, garantir o máximo de segurança dos atletas e fãs. Obviamente, vocês têm um papel importante nessa missão”, disse ele ao conselho do Ministério do Interior do país no final de fevereiro.

“Não duvido que vocês agirão corretamente durante o campeonato em qualquer situação que surja, em total acordo com a lei. Seu trabalho transparente e competente impacta diretamente o modo como esse evento acontecerá e a imagem do nosso país.”

A Rússia também tomou medidas para aliviar as preocupações sobre racismo e homofobia no campeonato, embora uma lei aprovada em 2013 banindo a “propaganda gay” ainda exista, provocando uma imagem ruim quando a Chechênia - cuja capital, Grozny, servirá como base de treinamento para o Egito na Copa do Mundo - foi supostamente conivente na supressão de opiniões políticas e na discriminação contra mulheres e minorias sexuais.

Alexey Smertin, chefe antidiscriminação da Rússia 2018, minimizou qualquer preocupação e afirma que o clima nas instalações da Copa do Mundo serão amistosas. “Definitivamente não será estressante e nós faremos com que todos se sintam confortáveis e seguros no nosso país”, disse à BBC. A maioria dos torcedores provavelmente fará visitas rápidas às cidades anfitriãs e permanecerá na área controlada pela FIFA em torno dos estádios, reduzindo o risco de potenciais perigos e situações desagradáveis. No entanto, aqueles que não estiverem viajando com grupos oficiais podem se sentir impotentes pelos preços exorbitantes cobrados por quartos de hotel e apartamentos em cidades pequenas e menos favoráveis para turistas como Saransk e Volgograd, onde a Inglaterra enfrentará a Tunísia.

O jornal russo Komsomolskaya Pravda visitou Saransk recentemente, onde viu preços de até 1,275 mil libras (R$ 5,7 mil) por noite para alugar apartamentos modestos da era soviética. A falta de quartos de hotel, e a respectiva procura, é um dos motivos; outro é o fato de que Portugal, e Cristiano Ronaldo, enfrentarão o Irã na cidade e isso representa um adicional.

Mas o problema é sério, principalmente se colocar os torcedores em risco ao serem forçados a condições inseguras. As autoridades locais estão agindo com lentidão até o momento; a esperança parece ser que, conforme o campeonato se aproxima, eles retomem o bom senso.

Saransk é um dos vários locais cujo estádio novo, cheio de brilho e aparentemente grande demais para a modesta partida local que será abrigada a partir da próxima temporada, enfrenta dificuldades com os prazos. A mais evidente é a dramática Cosmos Arena em Samara, que não deve ficar pronta até o meio de março e não realizará um evento teste até 28 de abril, sete semanas antes da sua primeira partida da Copa do Mundo.

Problemas financeiros e logísticos atingiram muitas cidades e locais de jogos (os planos para a Cosmos Arena, por exemplo, foram reduzidos de uma cúpula com 80 m de altura quando os custos ficaram muito altos, embora seu substituto de 65 m ainda seja impressionante).

Mas é impossível não sentir que a Rússia gostaria de não ter que se preocupar com esse campeonato. O governou cortou seu orçamento para a Copa em 340 milhões de libras (R$ 1,52 bilhão) - para aproximadamente £7,4 bilhões (R$ 33,2 bilhões) - em 2015 e, embora a dimensão do evento tenha sido reduzida de acordo, ainda parece um marco financeiro em tempos de dificuldade.

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